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terça-feira, 25 de março de 2014

Açúcar, Livros e Plantas





Quando eu era criança, todas as pessoas do meu bairro se conheciam, e algumas frequentavam as casas umas das outras - principalmente, os adolescentes e crianças. As portas estavam sempre destrancadas, pois não havia perigo de roubo ou assalto, e quando estava muito quente, dormia-se com as janelas e portas escancaradas. Era comum que minha mãe e as vizinhas chamassem umas às outras para pedir favores, como uma xícara de açúcar ou então fazer um pedido para que olhassem as crianças enquanto a outra saísse. Bem, eram tempos diferentes, em que confiar nas pessoas não era tão perigoso como hoje.

Ontem tive um daqueles velhos momentos de volta; minha vizinha pediu-me uma muda de flor, o que desencadeou uma conversa ao final da tarde; ela do seu lado do muro, e eu, do meu. Falamos de cães, plantas, perdas e jardins. Às vezes, nós trocamos livros, mas acho que estas ocasiões são também uma desculpa para uma boa conversa. Bem, esta é uma desvantagem dos livros eletrônicos: não se pode emprestá-los, e perdemos mais uma desculpa para um bom papo.

Percebi que dentro de nossas casas existem dramas bem parecidos. Todas as pessoas passam por, mais ou menos, as mesmas coisas. Temos medo de ficar sozinhos, de assaltos, de insetos e animais peçonhentos; lembramos do passado e sentimos saudades de pessoas e coisas que não estão mais conosco. Para ela, eu ainda sou muito jovem, apesar dos meus 48 anos (ela deve estar na casa dos 70), embora eu às vezes me sinta muito, muito velha... e talvez ela fique me olhando e pensando no tempo em que tinha a minha idade, e seus filhos eram adolescentes, a casa estava sempre cheia e o futuro era algo bem distante guardado em alguma prateleira empoeirada, no qual ninguém pensava muito.

A tarde morria em lindas cores, entre cantos de pássaros; o cheiro do meu gramado recém-cortado era carregado até nós pela brisa refrescante. Entre os dedos dela, a muda de flor roxa que eu colhera para ela, e as horas murchando aos poucos, como aquela muda de flor...



4 comentários:

  1. Ate pouco tempo atras eu morava no interior e ainda era assim... hj os parentes que moram la, me dizem que tudo mudou, pode ter mudado um pouco, mas nunca vai ser igual a cidade grande que as relaçoes sao tao impessoais... sinto falta dessa proximidade com as pessoas que nos cercam...

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  2. Tens uma excelência em discorrer sobre o existencialismo, que por vezes me deixa PASMO! Excelente crônica, real, vida, vida e vida em generosas doses de lirismo, busca, esperança, etc... A M E I poetisa, parabéns ! ! !

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  3. Lindo texto! Vivi nesse tempo que se dormia com as janelas e portas abertas e as vezes eramos acordadas com linda serenata na janela!
    Bjs
    Amara

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  4. Seu texto , Ana , nos dá a exata medida de como é boa a convivência com e pelo Outro . Gosto de sua escrita , sabe bem . Agradeço a partilha . Beijos

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