Fazer quarenta anos foi um marco, assim como fazer vinte, trinta... agora, aos quarenta e seis, encaminho-me para uma nova década que se aproxima cada vez mais. São fases, como pontes que cruzamos durante nosso caminho pela vida.
Me desculpe quem acha que é fácil envelhecer. Palavra feia, não é mesmo? ENVELHECER. Mas aceitemos a verdade de que este processo começa no momento em que nascemos, e a coisa fica um pouco mais fácil e natural. Ninguém nasce velho e começa a renovar-se, como no filme. E se é assim, deve haver um bom motivo.
Tudo na natureza aponta para este ciclo: nascer, crescer, envelhecer, morrer - embora nem sempre este ciclo siga esta ordem. Muitos se vão ainda bem jovens, e esta é a única maneira de não envelhecer. Mas não me parece uma idéia muito agradável, embora eu não tenha medo da morte e nem seja extremamente apegada à vida. Que aconteça o que tiver que acontecer! E quem sabe, exista uma continuação neste ciclo que a maioria de nós desconhece: renascer. Começar tudo de novo. Ter uma outra chance. Por que não? Que me provem o contrário.
Mas uma das coisas mais difíceis na minha idade, não é exatamente a própria decadência física: mas a decadência de nossos pais , parentes e amigos mais velhos que nos cercam. Não é nada fácil assistir aqueles que acostumamos a ter como pontos de referência em nossas vidas envelhecendo, adoecendo, tornando-se fracos, vulneráveis e, muitas vezes, perdendo a capacidade de raciocínio. De repente, nos vemos na posição de termos que assumir a responsabilidade pela família, um cargo que pode ser extremamente pesado e causar muita angústia, submetidos que somos às ansiedades e necessidades de nossos irmãos e pais - quando estes não são mais capazes de tomar decisões, como sempre.
Em toda família, existe aquele que substituirá os pais, quando estes não mais puderem ocupar a sua posição de liderança, ou pior, quando eles não estiverem mais por aqui. Geralmente, é o irmão mais velho. E cuidar de uma família não é tarefa fácil, especialmente quando os demais não se dão conta de que o outro precisa de ajuda. Colocam-se em uma posição confortável, assumindo que o mais velho cuidará de tudo, sem perceber a pressão que ele sofre, tanto física quando psicológica, emocional. E nem o fazem por maldade, e sim, pela vontade inconsciente de não assumirem riscos. "Aquilo para o qual eu não olho, não existe, e pronto!"
Na minha idade, vejo minha mãe, aos oitenta e cinco anos, cada vez mais entendendo que sua hora está chegando. Convencê-la a ir ao médico é uma dificuldade, pois ela diz que suas mazelas e dores são consequência da idade, e acha que não adianta, mesmo, 'já que está no fim.' Isto gera uma angústia em todos nós que gostamos dela, e desejamos vê-la bem. E acho que esta angústia vem exatamente da compreensão de que ela está certa. O fim está se aproximando. E vemos nela, na sua idade avançada e na sua fragilidade, o nosso próprio futuro.
Observo o quanto as pessoas idosas veem sua posição mudar dentro da família. Antes, o que elas diziam era ouvido , acatado ou pelo menos, digno de uma boa reflexão. Agora, elas são ignoradas, deixadas em um canto enquanto os outros conversam, sentindo que ninguém está interessado em ouvir o que elas tem a dizer, que sua presença é tolerada compassivamente. Apenas tolerada. E quando essa tolerância acontece, podem considerar-se com sorte! Pois muitos não toleram seus esquecimentos, as mesmas perguntas que são feitas várias vezes, as coisas que caem de suas mãos frágeis e espatifam-se no chão. E talvez elas sejam tratadas assim porque nos fazem conviver com a nossa realidade futura a todo instante, e muitos de nós não sabem como lidar com ela.
Por favor, não me digam que é fácil envelhecer. Não me digam que é um processo natural da vida, pois disso, eu já sei, e saber não torna tudo mais fácil. Sei também que aceitar a vida e seus ciclos é a coisa mais sensata a se fazer, pois nada vai mudar se passarmos a vida fazendo pirraça contra aquilo que nos desagrada. Reconheço que a vida deve ser vivida e desfrutada com o máximo de alegria e gratidão em qualquer época e a qualquer idade, pois não sabemos o que o futuro nos reserva, e nem é saudável cogitar sobre isso.
Mesmo assim, e apesar de ser uma pessoa feliz, envelhecer não é fácil.