Aqueles que são invejados entristecem-se com o rancor que sentem à sua volta; se são orgulhosos, por receio de algum prejuízo; se generosos, por compaixão dos que invejam. Mas depressa se alegram: se me invejam, isso quer dizer que tenho um valor, dos méritos, das graças; quer dizer que sentem e reconhecem a minha grandeza, o meu triunfo. A inveja é a sombra obrigatória do gênio e da glória, e os invejosos não passam, de forma odiosa, de admiradores rebeldes e testemunhas involuntárias.
Não custa muito perdoar-lhes, quando existe o direito de me comprazer e desprezá-los. Posso mesmo estar-lhes, com frequência, gratos pelo facto de o veneno da inveja ser, para os indolentes, um vinho generoso que confere novo vigor para novas obras e novas conquistas. A melhor vingança contra aqueles que me pretendem rebaixar consiste em ensaiar um voo para um cume mais elevado. E talvez não subisse tanto sem o impulso de quem me queria por terra.
O indivíduo verdadeiramente sagaz faz mais: serve-se da própria difamação para retocar melhor o seu retrato e suprimir as sombras que lhe afectam a luz. O invejoso torna-se, sem querer, o colaborador da sua perfeição.
Sob o teu nome, eu li: "In Memoriam." Lembrei-me do teu riso solto e fácil. Coisas boas me vieram à cabeça, e também, as piores coisas.
Lembrei-me de você pequeno, correndo pela casa com seus primos, andando de bicicleta no quintal, fazendo manha, gargalhando. Lembrei-me de você com o uniforme da escola, e nas festinhas de aniversário. Revi fotografias onde ficou guardado o teu sorriso, e a tua presença entre os amigos. Era sempre tão difícil encontrar uma foto na qual você estava só!
Lembrei-me de você durante as suas aulas de inglês, aos sábados de manhã, quando você e a Dani vinham juntos, e das conversas depois da aula, quando descíamos a rua à pé, falando dos planos para um futuro que não aconteceu.
As coisas boas de se lembrar logo foram sendo substituidas pelo que vivemos nos teus últimos dias.
Lembrei-me daquele último ano novo, do quanto foi difícil festejar, tentar encontrar algum motivo para sorrir, sabendo que aquele era o teu último ano novo. Lembrei-me daquele telefonema, o último que você me fez, numa sexta-feira de manhã, aos prantos: "Tia, eu não estou bem. Estou com muita raiva." Eu, daqui, não sabia o que dizer para te consolar, então, eu disse: "Chore, coloque tudo isso para fora. Soque um travesseiro, mas não guarde essa raiva." E você respondeu, já rindo: "Mas tia, eu já estou todo ferrado, e se eu for socar um travesseiro e me ferrar mais ainda?"
Desliguei o telefone rindo, mas só Deus sabe como eu me sentia.
Vi a mim mesma agarrada àquele par de muletas, na recepção do hospital, chorando em público como eu jamais havia feito na vida. Ouvi novamente o toque do telefone naquela terça-feira de janeiro, a pior de minha vida. Ouvi os passos do meu marido descendo devagar as escadas, e parando antes de chegar ao final. Ouvi-o chamar meu nome, e ao olhar nos olhos dele, eu soube.
Vi teus amigos escrevendo mensagens de adeus com tinta branca sobre a madeira escura.
Voltei agora ao teu nome, escrito no trabalho de faculdade que teus amigos vieram trazer para mostrar à sua mãe, tanto tempo depois. Sob, está escrito: "In Memoriam." E mesmo depois de tanto tempo, eles não te esqueceram; vieram de tão longe para entregar este presente à sua mãe. Com certeza, eles sabem do quanto este trabalho foi importante para você. A pesquisa foi aceita por uma universidade dos Estados Unidos! E você terá seu nome nele para sempre, junto aos nomes de seus amigos.
O trabalho agora está aqui comigo, em minha casa, para que eu o traduza. Mas toda vez que abro o envelope, eu me lembro. Um dia, talvez eu consiga traduzi-lo.